REGULAR O VIDEO POR DEMANDA, JÁ
(Direitos intelectuais e patrimoniais audiovisuais já são e serão ativos proeminentes na nova economia)
O Brasil sempre foi um forte consumidor de produtos audiovisuais brasileiros. Tanto os que chamamos de filmes para salas de exibição, chegando a atingir quase 40% de market share, como também aos programas da televisão aberta onde a população se identifica com as novelas, séries e minisséries.
Somos mais de 200 milhões de “audiências” e nenhuma empresa que lide com a exploração de nosso mercado nos abandonará.
Quando em 2001 regulamos, por meio da MP 2228-1/2001 a Contribuição para o Desenvolvimento da Industria Cinematográfica Nacional – CONDECINE REMESSA, as empresas de TV por assinatura nos fizeram várias ameaças. Em 2012 foi a vez das empresas de telecomunicação que nos ameaçaram com campanhas publicitárias que, hoje, se assemelham a Fake News.
Hoje quem nos quer ameaçar são as empresas provedoras de Vídeo (conteúdos) por Demanda – O VOD.
O PIB em 2019 foi de 7.3 trilhões de Reais enquanto, segundo estudos da Oxford University, encomendados pela Motion Pictures Association, o impacto econômico direto do setor audiovisual em 2019 gerou R$ 24,5 bilhões para o PIB, ou seja 0,33% do PIB brasileiro, valor extremamente importante para um país.
Mas não só isso, foram 126.500 empregos diretos que somados aos empregos indiretos e os empregos induzidos chegamos a 657 mil postos de trabalho, uma contribuição de R$ 55.8 bilhões no PIB (0,77%) e, ainda, uma contribuição de R$ 7.7 bilhões na arrecadação de impostos.
Nosso país, segundo estudos da empresa Finder é o segundo país que mais consome streaming no mundo e mostrou que 64,58% da população assina pelo menos um serviço de Vídeo por Demanda.
Maiores consumidores de streaming no mundo x assinantes de pelo menos um serviço (fonte FINDER)
1. Nova Zelândia 65,26%
2. Brasil 64,58%
3. Irlanda 63,24%
4. Filipinas 61,72%
5. Canadá 61,24%
6. Estados Unidos 58,90%
7. Espanha 57,67%
8. Índia 56,94%
Um levantamento recente da Fundação Getúlio Vargas apontou que o faturamento obtido no nosso mercado foi de 17,8 bilhões de reais entre 2019 e 2020.
Se fizermos uma simulação onde 50% destes recursos ficam no Brasil e a outra metade vai para o exterior a título de pagamento de rendimentos sobre a exploração de nosso mercado, estamos falando de quase 9 bilhões de reais que saem do nosso país e que poderiam em parte permanecer aqui, se os direitos sobre as obras fossem nossos.
A indústria audiovisual movimenta vários setores da economia, como serviços e insumos não exclusivamente vinculados à indústria audiovisual, tais como serviços bancários e securitários, hospedagem, transporte, aluguéis de bens móveis e imóveis, alimentação, segurança, geração de impostos, bem como serviços manuais como costureiras, maquiadores, figurinistas, marceneiros e assim por diante.
Estudo feito pela Global Screen Production – The Impact of Film and Television Production on Economic Recovery from COVID-19, menciona que 67% destes gastos se dá durante as filmagens. São cerca de 10 milhões de dólares por 4 meses de filmagem.
É verdade que as empresas de Vídeo por Demanda vêm aportando recursos em produções feitas no Brasil por prestadores de serviços brasileiros. E com isso têm contribuído com os empregos e impostos. Mas o rendimento da exploração destas obras não será arrecadado em favor do Brasil, já que as produtoras contratadas são apenas prestadoras de serviços, que acabam vendendo suas ideias e projetos sem se capitalizar, muitas vezes simplesmente para tirá-los do papel, ou mesmo somente para a obra, depois de pronta, circular.
Hoje, com a disputa pelo conteúdo original, as empresas de VoD precisam produzir para permanecerem competitivas no mercado. Ou seja, novos conteúdos disponíveis para licenciamento é o que precisamos ter.
E é para isso que precisamos de uma regulação.
Assim como a TV por assinatura, as empresas de radiodifusão, telecomunicação e de produção contribuem com a Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico – CIDE, a chamada CONDECINE, já considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
É esperado que players tão potentes como esses também venham a contribuir. Esses são recursos que alimentam o Fundo Setorial do Audiovisual para que se façam políticas públicas de desenvolvimento, diminuição de assimetrias e de apoio na solução de gargalos, e nas políticas públicas de formação, preservação e difusão.
Também entendemos que uma parte dos recursos que poderiam compor a CIDE pode ser criada sob a forma de investimento direto destas empresas em projetos onde os recursos aportados seriam um pré-licenciamento, numa negociação mais livre entre as empresas de VoD e os produtores independentes. Mas sempre garantindo, para as empresas independentes, os direitos sobre os conteúdos produzidos que, aí sim, serão licenciados pelos seus produtores às plataformas de VoD.
Mas nada adianta licenciar filmes e escondê-los nos catálogos, quase como se o programador do algoritmo não soubesse nos identificar. É como se numa locadora nos deixassem na prateleira mais alta, fora da vista da “audiência”. E aí entra a proeminência. Como eu disse no início deste artigo, nas salas de cinema chegamos a ter 40% de market share, mas o filme tinha que chegar às salas com marketing e publicidade.
Hoje essas empresas, por meio dos algoritmos, nos oferecem conteúdos similares a aqueles que já vimos. Mas e aqueles que não vimos por que não sabemos que existem? Para formar público e mostrar que nossos filmes agradam é necessário garantir sua proeminência nas plataformas de VoD, garantindo que em todas as faixas de gêneros tenhamos um percentual de obras brasileiras.
Finalmente, a legislação brasileira sempre primou por proteger o patrimônio intelectual e patrimonial das obras brasileiras independentes. Não há por que neste novo mercado não fazermos o mesmo.
É fundamental para gerar estabilidade empresarial, geração de divisas e empregos, indução de investimentos privados e atração de milhões de jovens que pretendem trabalhar numa atividade que tem muito valor agregado e perspectiva real de crescimento, que este mercado seja regulado.
Vera Zaverucha - Especialista em regulação audiovisual
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